As eleições legislativas 2022 que estão à porta são o pretexto ideal para entrevistar o coordenador do Eixo IV da Participação Cívica e Política do plano de ação local do programa “Guimarães, Cidades Amigas das Crianças”. Sérgio Gonçalves tem a vida profissional ligada às tecnologias de informação, mas enquanto cidadão ativo, professor e pai, empenhado em construir uma sociedade melhor, é presidente da Associação para o Desenvolvimento das Comunidades Locais (ADCL), localizada em S. Torcato, mas também da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Eb1 Oliveira Do Castelo.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - O que o move?
Sérgio Gonçalves (SG) - Todos os dias acordamos e devemos pensar nas nossas ações e em como as mesmas podem contribuir para que esse dia seja ainda melhor que o anterior. Sendo certo que nem sempre temos a possibilidade de sermos bem-sucedidos, mas devemos mover as nossas ações com esse propósito.
GCAC - Há quanto tempo estás envolvido com a vida política?
SG - O envolvimento na vida política não tem um princípio nem um fim. Penso que fazemos política desde que nascemos, quase literalmente. Nas ações que temos diariamente somos condicionados pelos valores da sociedade em que estamos inseridos e, como tal temos sempre a política como pano de fundo. Seja na nossa vida profissional ou também nas instituições em que nos envolvemos profundamente. Claro que existem sempre aqueles momentos em que temos maior visibilidade e poderemos olhar para esse ponto como o início do envolvimento político, se assim for poderemos apontar para o ano de 2013 em que fui candidato à junta de freguesia.
GCAC - E com o associativismo?
SG - O associativismo sempre esteve no ADN, desde os tempos da adolescência em que dinamizava o grupo de jovens da freguesia e dessa forma estava bastante ligado às ações com jovens e seniores da freguesia. Posteriormente, e como muitas vezes é natural, com o ingresso no ensino superior existiu um afastamento que se prolongou pelos primeiros anos da vida profissional. No entanto nunca as ligações com Guimarães foram perdidas e dessa forma a participação no associativismo surge com naturalidade.
GCAC - Numa espécie de regresso ao passado, o que pode ter ajudado a que o miúdo Sérgio Gonçalves se tornasse um adulto cívica e politicamente ativo? Encontra alguma explicação? Como era enquanto criança e jovem?
SG - Recuando no tempo e abrindo as gavetas das memórias, é mesmo assim, ou seja as experiências vividas em jovem e a vontade que temos de mudar o mundo é algo natural. Recordo que olhávamos para tudo o que acontecia através do meio que nos abria as portas do mundo, que era a TV e olhava com “inveja” para os acontecimentos que se sucediam, mas com a enorme vontade de ter voz e participação ativa. Desejava sempre participar e participar e saber cada vez mais, o espírito de descoberta era algo que sempre norteava o dia a dia. A vontade de ler e saber mais que aquilo que a nossa vista alcança, viajar (ainda que em modo virtual), para outras realidades.
GCAC - É professor e presidente da Associação de Pais e Encarregados de Educação da EB1 Oliveira do Castelo…Como é enquanto professor e enquanto pai? De que forma encaras estes papéis?
SG - Muitas vezes os papéis são indistinguíveis, temos claro outros níveis de responsabilidade e de ligação, mas o contacto com os nossos jovens é algo que tem um valor incalculável, conseguir um sorriso dos nossos filhos, ou de todos os que usufruem das atividades de uma associação é inexplicável. A esta sensação de felicidade temos sempre de aliar a responsabilidade de conseguir sempre melhorar. Pode parecer uma tarefa pesada, mas se encarada com abertura e pensamento positivo, teremos a facilidade de conseguir grandes sucessos.
GCAC - Como se consegue estimular a participação cívica e política das crianças? Há alguma “receita” para desde a infância se estimular o ativismo?
SG - A participação é sempre algo que no dia-a-dia nos move e por isso se olharmos atentamente, podemos constatar que a mesma é tanto maior quanto maior é o envolvimento e sentido de pertença daqueles que se envolvem nos projetos. Mas em que se traduz esta afirmação?
"Por vezes é extremamente simples de entender que todos (sejam jovens ou adultos), são participativos se sentirem que a sua voz conta, que são parte das soluções e decisões. Assim se desde as idades mais jovens os nossos filhos forma chamados a participar e essa participação for concretizada em ações, temos o futuro assegurado".
GCAC - Foi responsável por coordenar o Orçamento Participativo das Escolas. Qual é o impacto de iniciativas como estas, de participação ativa e que são assentes em processos democráticos, na visão das crianças em relação à política?
SG - A participação em processos como o OP é sem dúvida uma experiência enriquecedora. Perceber que os jovens estão sedentos de participar e serem voz ativa é uma forte valorização do trabalho das instituições e políticos. Foi um processo de aprendizagem e partilha em ambos os sentidos. Recordo os inúmeros projetos e ideias que se implementaram e ainda estão em fase de implementação. Recordo também as sessões de discussão em que as ideias eram ajustadas e afinadas para corresponder às necessidades de quem apresentava, mas também para serem exequíveis e com sustentabilidade futura. A receita que é simples: Ao serem ouvidas as crianças envolvem-se cada vez mais. Com esta perspetiva e se consolidarmos processos como este teremos um futuro com cidadãos mais participativos. Exigentes por certo, mas é assim que a democracia evolui e consolida e também teremos uma sociedade melhor.
GCAC - O ponto de partida para candidatura de Guimarães a Cidade Amiga das Crianças foi o projeto “Carta da Cidadania Infantojuvenil” desenvolvido pela ADCL. Esteve envolvido neste projeto?
SG - Neste projeto não estava ainda com a ligação que atualmente tenho com a ADCL, foi numa fase profissional em que estava mais afastado deste tipo de participação cívica.
GCAC - Que serviços/apoios a ADCL presta a quem a procura?
SG - A ADCL é uma instituição com mais de 25 anos e isso implica uma enorme experiência. Nesse sentido temos serviços que prestamos a todos os que nos procuram, sem distinção alguma. Somos uma instituição que vai desde os 0 anos até à idade sénior.
Projetos de âmbito social como os SAAS, Centro de Atividades de Tempos Livres, Lar de Infância e Juventude, Banco de Apoio Social, Parceria com o Banco Alimentar, Parcerias com o Município de Guimarães e com as Juntas de Freguesia do Vale de São Torcato.
Ao longo dos anos fomos também sentindo que a ação não se deve limitar ao âmbito social e a cultura passou também a ser uma base dos projetos. Dinamizamos projetos de Teatro e Música que espalham a sua ação e dinamismo por todo território de Guimarães. O projeto Entao Vamos, que curiosamente surgiu numa ação de participação promovida pelo Município que foi o Orçamento Participativo, projetos de dinamização Cultural em parceria com a Universidade do Minho e a Fundação Calouste Gulbenkian. Localmente Grupos de teatro e de cantares tradicionais.
Ao nível das manifestações culturais temos aquela que é a ação mais visível e que representa já um evento marcante no programa do concelho de Guimarães que é a Feira da Terra, um certame em que os artesãos, produtores locais e artistas podem demonstrar todos os seus produtos e serviços à comunidade
GCAC - Que balanço fazem do impacto da vossa atividade na vida das crianças?
SG - Os balanços são sempre necessários para que se possa melhorar e corrigir eventuais lacunas. Temos, no entanto, a perceção que desenvolvemos um trabalho que aposta nas pessoas e que a melhor métrica é sentir que quem nos procura tem sempre uma solução possível. Este balanço é positivo pois a equipa que faz diariamente a ADCL é competente, rigorosa e amiga. São eles a alma da instituição, uma palavra de profundo reconhecimento a estes heróis invisíveis que trazem a felicidade a quem recorre à ADCL.
GCAC - Quais são as prioridades definidas na atuação da ADCL? Quais são as maiores dificuldades sentidas?
SG - A ADCL tem sempre por objetivo melhorar os serviços prestados, que com a pandemia foram muito mais necessários. Não recusamos nenhum desafio e, nesse sentido, a continuação e reforço do apoio aos mais necessitados, a aposta no apoio aos jovens e as parcerias que surgem diariamente com as instituições sociais e culturais existentes no território.
Ao nível das dificuldades elas são transversais ao setor em que a ADCL se insere, o que significa que o financiamento do setor social é profundamente insuficiente e não faz jus ao trabalho que é desenvolvido. Trabalho esse tantas vezes invisível, mas que tem resultados extraordinários. É um lamento que, politicamente, os nossos decisores tenham muitas vezes outras prioridades que não o setor social, sendo importante relembrar que é um setor que liga as pessoas, que constrói uma sociedade melhor.
GCAC – Enquanto coordenador do Eixo IV da Participação Cívica e Política do plano de ação local do programa “Guimarães, Cidades Amigas das Crianças”, que opinião tem da importância desta iniciativa da UNICEF?
SG - É habitual reconhecermos a expressão que “O futuro são as crianças”. Assim sendo é simples entender que todas as ações que sustentem as ações para melhorar os direitos das crianças são imprescindíveis. Numa sociedade ideal, a não existência destas iniciativas seria um sinal que o mundo estaria bem, mas até chegarmos a esse ponto temos de lutar, e diariamente apoio iniciativas que valorizem as crianças.
GCAC – Como avalia o empenho de Guimarães com o compromisso de ser uma Cidade Amiga das Crianças?
SG - Guimarães é uma cidade com uma identidade especial, todos o reconhecemos, e nesse sentido o envolvimento com estas iniciativas surge de forma natural. O empenho das instituições e a dinamização que o Município transmite são uma constante diária. Sim Guimarães está completamente empenhada.
GCAC – Quais são as expetativas da ADCL e do Sérgio em relação a este programa?
SG - Esperemos que se traduza num maior envolvimento de instituições que por alguma razão estejam mais distantes desta iniciativa, mas também, é algo que já é possível verificar, um reforço dos laços e das responsabilidades de todos os atores necessários para levar a bom porto este projeto.
GCAC – O trabalho em rede é a mais-valia desta iniciativa?
SG - A importância dos grupos de trabalho para este projeto das Cidade Amiga das Crianças é cada vez mais clara. As reservas que muitas vezes colocamos na burocracia que podem surgir fica esbatida nas ações e nas experiências que absorvemos no contacto com todos os membros dos grupos. É assim que crescemos e ao crescermos podemos contribuir para uma sociedade mais justa.
"A história ensina-os que não é com valores negativos e com individualismo que vivemos melhor. Somos seres sociais e respeitando quem nos rodeia somos também recompensados com igual respeito".
GCAC – Estamos à porta das eleições legislativas, temos vindo a constatar em todas as corridas às urnas uma enorme fatia de abstenção: um programa como o da UNICEF vai ajudar a que as crianças de hoje sejam eleitores ativos de amanhã?
SG - Sim acredito que é um ponto de chegada. Reforço que a participação será tanto mais bem sucedida quanto maior a responsabilização e o sentimento de pertença nas decisões que os jovens tenham. Envolver, responsabilizar e verificar que a voz de todos é ouvida e tomada em consideração.
GCAC – De que forma se consegue combater a “apatia” e o “desencanto” com a política?
SG - Envolver, tal como em Guimarães… Eu faço parte, Eu conto. Desta forma conseguimos que os jovens se libertem da apatia.
GCAC – E para aumentar a literacia política?
SG - A formação no contexto escolar é essencial. Os últimos dois anos foram um período extremamente negativo nesta formação. A pandemia revelou, em muitos casos, as limitações de acesso à formação de muitos jovens, relevou as assimetrias existentes. Assim temos de olhar para esta fase menos positiva como uma oportunidade de melhorar e trazer as soluções para as pessoas. Deixar de lado as diferenças e em conjunto construir o futuro.
GCAC – E quais são as expetativas do Sérgio em relação ao futuro das crianças do município e do país?
SG - Eu tendo a ser uma pessoa positiva, e confesso que apesar de alguns sinais que podemos encarar como desencorajadores, temos imensas oportunidades e espaço para melhorar: Cuidar de quem necessita, dar as oportunidades que todos merecem. Se sentirmos que a nossa voz importa, que temos a possibilidade de contribuir para as ações, teremos mais motivação para desenvolver as nossas capacidades e aumentar sempre os níveis de participação.