




A UNICEF, através do Programa “Cidades Amigas das Crianças, pretende melhorar a qualidade de vida das crianças e Guimarães aceitou o repto de percorrer este caminho. Para o fazer delineou um conjunto de objetivos e de medidas a implementar organizados em torno de seis eixos temáticos. Para a newsletter de dezembro conversámos com Tânia Salgado, a presidente da Associação de Defesa dos Direitos Humanos de Guimarães e coordenadora do Eixo IV das Relações Interpessoais.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Quem é a Tânia Salgado?
Tânia Salgado (TS) - Uma mulher determinada que gosta da simplicidade da vida.
GCAC - O que a move?
TS - A minha família, os meus amigos e a paixão que tenho pela luta e promoção dos Direitos Humanos.
GCAC - Há quanto tempo está envolvida com as “causas” dos Direitos Humanos?
TS - Sempre tive um espírito ativista, desde muito nova estive ligada a questões relacionadas com a justiça social, o que me levou a integrar algumas associações ao longo da minha vida. No entanto apenas em 2018 consegui alcançar o meu objetivo e fundar a ADDHG.
GCAC - Sente que a sua vida seria diferente se não estivesse envolvida com a ADDHG?
TS - Claro que sim, a ADDHG tem sido um dos principais focos da minha vida.
GCAC - É uma ativista: qual é o seu sonho?
TS - Há algum tempo atrás queria mudar o mundo, agora sei que nem eu, nem ninguém consegue alcançar esse feito. Então, atualmente digo que o meu sonho é ver o mundo tornar-se um lugar mais justo e igualitário. E essa mudança começa se todos mudarmos as nossas atitudes individualmente.
GCAC - O que a motivou a criar a ADDHG?
TS - Foi a minha experiência de vida e ver que existiam fragilidades no auxílio e no acompanhamento de vítimas de violência doméstica. Havia pouca informação na área da violência doméstica nas zonas mais descentralizadas do concelho, como a Comissão Social Interfreguesias onde a ADDHG está sediada, a CSIF Oeste. As vítimas de violência doméstica tinham pouca informação, acerca das instituições a quem se poderiam dirigir e pedir ajuda. Outro dos fatores principais da criação da ADDHG foi o facto de a CSIF Oeste, de acordo com os dados da CPCJ no ano de 2017, ter um índice muito elevado de crianças que estavam expostas à violência interparental.
“As zonas mais rurais são também pobres em ações de sensibilização, sendo também necessário atuar nesta área, sendo que estas zonas são também mais machistas, levando a que haja uma maior submissão das mulheres perante os homens”.
GCAC - Foi criada em 2018: Que balanço fazem do impacto da vossa atividade e constituição?
TS - A ADDHG apesar de ainda ser recente tem feito um percurso meritório. Vou salientar o fantástico trabalho de proximidade que temos desenvolvido com as vítimas de violência doméstica e suas famílias, e também, com as famílias em risco psicossocial que temos acompanhado. É precisamente este trabalho de proximidade que nos singulariza e é este o segredo do sucesso que temos alcançado com as famílias em risco psicossocial, onde estão crianças e jovens em risco, conseguindo assim, que estes tenham um ambiente familiar mais estável e harmonioso.
GCAC - Como avaliam o apoio existente em Guimarães até à data?
TS - Desde a nossa fundação que temos tido o apoio da câmara municipal de Guimarães. Vou salientar também a fantástica rede de parceiros que ao longo destes três anos fomos conseguindo. Temos realizado um fantástico trabalho em rede com diversas instituições vimaranenses, vou salientar a CPCJ, os CAFAP, a EMAT e o Espaço Municipal para a Igualdade. Sou da opinião que o trabalho da área social só faz sentido se for feito em rede, nós sozinhos nada conseguimos fazer, mas em colaboração com outras entidades conseguimos fazer um trabalho célere e profundo.
GCAC - Que serviços/apoios a ADDHG presta a quem a procura?
TS - Prestamos apoio social, psicológico, mediação familiar e jurídico.
GCAC - Que atividades gostariam de realçar que tenham desenvolvido até agora?
TS - Inicialmente o foco de intervenção da ADDHG foi o apoio a vítimas de violência doméstica, com a criação do nosso gabinete de apoio à vítima, onde temos uma equipa multidisciplinar, para além de termos quatro técnicas de apoio à vítima, prestamos apoio psicossocial e jurídico, não só às vítimas de violência doméstica, mas também aos seus familiares. A ADDHG tem também realizado um fantástico trabalho de sensibilização nas escolas do concelho de Guimarães, com as temáticas da violência no namoro/doméstica, igualdade de género e sobre os direitos humanos.
“Sendo a educação a transformadora do mundo e de sociedades, defendo que devemos abordar estas temáticas nas escolas, desde as mais tenras idades, desde o pré-escolar. Deste modo, ao trabalharmos com as crianças, iremos sensibilizar também toda a comunidade escolar, conseguindo assim um impacto maior na sociedade”.
Outro dos nossos focos de intervenção é o acompanhamento a famílias em risco psicossocial, onde prestamos apoio psicossocial, jurídico e de mediação familiar. Realizamos com estas famílias um trabalho de preservação familiar, prevenindo assim, a retirada da criança/jovem do seu ambiente familiar. Destacamo-nos pelo trabalho de proximidade que temos com as nossas famílias, intervindo não só na nossa sede, mas também no ambiente familiar das famílias. Outro aspeto que nos diferencia é o nosso trabalho itinerante, muitas das vezes as vítimas ou as famílias que acompanhamos não têm forma de se deslocarem à nossa sede, deste modo, nós deslocamo-nos para realizarmos os atendimentos perto das suas zonas de residência. Ao longo destes três anos a ADDHG tem realizado inúmeras ações de sensibilização e conferências, costuma também organizar uma caminhada anual alusiva ao dia 25 de novembro, o dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres.
GCAC - Quais são as prioridades definidas na atuação da ADDHG?
TS - Atualmente as nossas prioridades é o acompanhamento a vítimas de violência doméstica e o trabalho que realizamos com famílias em risco psicossocial.
GCAC - Quais são as maiores dificuldades sentidas?
TS - As maiores dificuldades que sentimos é o pouco apoio económico que temos para podermos realizar a nossa intervenção. Volto a destacar a importância do nosso trabalho com pessoas que estão expostas a situações de extrema fragilidade e que necessitam de uma intervenção adequada.
GCAC – Falando sobre o programa Guimarães, Cidade Amiga das Crianças: Qual é a importância desta iniciativa da UNICEF para a ADDHG?
TS - Com esta iniciativa enquanto associação conseguimos estar mais próximos das crianças e dos jovens vimaranenses, ouvindo de forma mais próxima a sua voz, assim como, os seus anseios e os seus sonhos.
GCAC – E do empenho de Guimarães com o compromisso de ser uma Cidade Amiga das Crianças?
TS - Guimarães tem feito um trabalho exímio sobre o programa Cidade Amiga das Crianças, tem realizado um fantástico trabalho em rede com diferentes elementos representativos dos diferentes setores com impacto na vida das nossas crianças e jovens, facilitando assim a auscultação das crianças/jovens nas diversas interfreguesias do concelho.
GCAC – Quais são as expetativas da ADDHG em relação a este programa?
TS - Estamos muito motivados em fazer parte deste compromisso, e podermos contribuir para a realização dos objetivos do programa, através das nossas atividades e projetos.
GCAC – Como avaliam o cumprimento, de uma maneira geral, dos direitos das crianças? Que análise fazem do atual contexto político do ponto de vista das políticas específicas dirigidas às crianças?
TS - Portugal de uma forma geral tem evoluído na promoção dos direitos das crianças, nomeadamente com o Programa Cidades Amigas das Crianças, ao nível local, significando que os direitos dos cidadãos mais jovens estão refletidos nas políticas, programas e orçamentos dos diversos concelhos. O atual contexto político, nomeadamente em Guimarães, tem contribuído para a realização dos direitos das crianças, reforçando a promoção da sua participação na vida da comunidade, ouvindo cada vez mais a sua voz. Contudo, ainda existe um longo trabalho a ser realizado, nomeadamente no combate da pobreza infantil, Portugal ainda apresenta números elevados, no combate ao abandono escolar, apesar de no primeiro trimestre de 2021 Portugal ter registado um mínimo histórico, 6,5 por cento, é ainda um número muito elevado.
GCAC – E em termos comparativos, é inevitável fazê-lo em relação ao resto da Europa: Portugal está num bom caminho?
TS - Na Europa, assim como em Portugal, infantilizamos ainda muito as nossas crianças. Apesar dos progressos que têm sido feitos nos últimos anos, ainda há muito a melhorar em termos de direitos fundamentais, sendo um desafio importante olharmos para as nossas crianças como cidadãs de pleno direito. Torna-se necessário, assim, desconstruir criticamente a ideia de infância como categoria homogénea e discutir o próprio processo de construção de imagens e representações associadas à infância e às crianças, porque ele é, em si mesmo, um processo socialmente construído.
“De acordo com dados recentes Portugal tem cerca de 330 mil crianças que estão em risco de pobreza e de exclusão social. Este é um número demasiado elevado para um país tão pequeno como o nosso. Deste modo, muitos compromissos permanecem incumpridos, não porque os direitos das crianças sejam demasiado ambiciosos, inatingíveis ou tecnicamente impossíveis de promover, mas porque a agenda da infância não é ainda considerada como uma prioridade política, cultural, económica e social, a nível Europeu e a nível nacional”.
As instituições competentes em matéria de infância e juventude, devem não só ouvir a criança, mas também devem ouvir as famílias, mas ouvi-las com tempo e com o coração. Pois, o que muitas vezes acontece, é que as situações difíceis aparecem, mas transitam sempre para outra instituição.
GCAC – Contextualizando a pandemia na vida das crianças: quais são os maiores desafios associados à covid-19?
TS - A pandemia foi um enorme entrave ao crescimento ativo e saudável das crianças. Com a pandemia aumentou drasticamente o sedentarismo, e com o sedentarismo aumentou a obesidade e as doenças mentais. Outro fator negativo que aponto é o aumento da utilização dos meios digitais por parte das crianças e jovens, diminuindo assim a vida social, levando que futuramente possam vir a ter problemas de socialização.
GCAC – Considera-se que o contexto de pandemia fez escalar o nível de risco/perigo das crianças e o incumprimento dos respetivos Direitos. Que dados têm?
TS - Sim, sem dúvida que a pandemia fez escalar o nível de risco/perigo das nossas crianças, no ano passado foram comunicadas às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, mais de 41 mil situações de perigo, sendo que foram sinalizadas 13363 crianças/jovens que estavam expostas a situações de violência doméstica, um aumento de 7,6 comparativamente ao ano anterior. Este aspeto deve-se a diversos fatores, como o aumento do consumo de álcool e de substâncias psicoativas, o aumento do desemprego, a diminuição do orçamento familiar, a diminuição da vida social e o facto de os casais estarem mais tempo juntos, levou a que houvesse um aumento de tensão, e, consecutivamente, o aumento da violência. Estes são dados alarmantes, pois existem evidências crescentes de que crianças que presenciam violência interparental correm risco de enfrentar diversos problemas psicossociais. Na verdade, os problemas observados nessas crianças são semelhantes àqueles observados em crianças que são vítimas diretas de abuso físico. Uma vez que testemunhar violência doméstica pode aterrorizar as crianças e perturbar significativamente a sua socialização, a exposição à violência doméstica é uma forma de maus-tratos psicológicos, sendo que estas mazelas podem perdurar posteriormente na vida adulta. Nós enquanto cidadãos conscientes temos o dever de denunciar estas situações, e desta forma, tentarmos diminuir os danos causados nas vítimas, seja na vítima, mulher ou homem, e nos seus filhos, que não são vítimas indiretas, mas são igualmente vítimas diretas deste grande flagelo que é a violência doméstica.
GCAC – Quais são as expetativas da ADDHG em relação ao futuro das crianças deste país?
TS - Uma das problemáticas que nos preocupam são as crianças que estão expostas à violência interparental, devendo os nossos agentes políticos estarem atentos a este flagelo, tentando arranjar estratégias para uma intervenção mais profunda. Paralelamente preocupa-nos que haja um aumento de crianças que estão expostas a situações de risco, havendo a necessidade de um trabalho mais célere e impactante na área da preservação familiar, e na mediação familiar. Outro aspeto que gostaria de salientar, é o facto de atualmente as nossas crianças não terem tempo de ser crianças. Vivemos numa sociedade de resultados, onde se exige às nossas crianças e aos nossos jovens perfeição, notas excelentes, e muitas outras habilidades, propostas pelos pais. Já pararam para refletir? São as nossas crianças e jovens que querem viver assim? Ou serão os adultos que delineiam as suas vidas desta forma, vidas traçadas por objetivos a atingir desde as mais tenras idades? Esta competição e estas vidas desde cedo, já tão stressadas, leva a que haja um grave aumento de crianças e jovens a sofrerem de ansiedade e a terem depressões, aspeto este que vai levar a que futuramente tenhamos uma sociedade doente.
“Deixem as nossas crianças serem apenas crianças, deixem-nas brincar, correr, saltar, esfolar os joelhos, sujar a roupa, explorar o mundo que as rodeia, deixem-nas ser felizes. Está comprovado que as crianças que brincam muito na infância, para além de serem crianças felizes, futuramente são adultos também felizes e empreendedores”.
GCAC – Há mais alguma coisa que gostaria de acrescentar?
TS - Vamos ouvir mais as crianças com o coração.