
Abril é o Mês Internacional da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância, altura em que a campanha do Laço Azul ganha um protagonismo especial. Esta é uma forma simbólica de consciencializar toda a população relativamente a qualquer forma de abuso, agressões físicas e palavras que fazem sentir mal, causam dor, sofrimento e influenciam a forma como as crianças crescem e se desenvolvem. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e o Município de Guimarães, aceitando o repto da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, está a realizar numerosas ações de prevenção contra os maus-tratos que culminam no dia 30 de abril num evento que se realiza no Agrupamento de Escolas Virgínia Moura.
Bonnie Finney, em 1989, amarrou uma fita azul na antena do carro, da cor das nódoas negras que viu no corpo dos netos, um deles vítima mortal de maus-tratos infligidos pela mãe e respetivo namorado.
Este gesto simbólico da avó norte-americana para alertar a sociedade para o problema dos maus-tratos na infância atravessou o mundo e a repercussão desta iniciativa, passados mais de 30 anos, continua a fazer-se sentir e a servir de chamada de atenção para esta realidade associada ao abuso infantil e à negligência.
“E o que é certo é que, na nossa experiência aqui em Guimarães, ao longo do mês de abril, com as pequenas ações de sensibilização que fazemos desta temática, chegam-nos sinalizações porque viram o laço azul, porque viram o cartaz, porque tiveram uma operação stop”, exemplifica a presidente da CPCJ de Guimarães, Henriqueta Fernandes. “Afinal eu tenho um vizinho que poderá estar a ser vítima”, completa, em jeito de indicação da importância desta campanha.
Este aumento de sinalizações motivado pela campanha Laço Azul atesta a importância do investimento na prevenção para aumentar o conhecimento da sociedade em geral em relação a esta questão: “Há muita falta de informação, desde logo nos profissionais que lidam com crianças”, atesta Henriqueta Fernandes.
Para aprender a identificar uma criança em risco, a CPCJ de Guimarães tem feito algumas ações de sensibilização aos profissionais de educação, quer sejam eles professores ou assistentes operacionais, no sentido de identificarem sinais de preocupação e relativamente às crianças, como identificar o perigo, sinais associados à higiene, falta de alimentação, marcas físicas, etc. “A escola até tira fotos para ver as marcas dos arranhões no corpo e em várias partes do corpo de crianças que são maltratadas pelos familiares”, acrescenta a presidente da CPCJ de Guimarães.
A violência doméstica, geralmente entre pai e mãe, está no topo das comunicações a esta entidade, mas também a fase em que os jovens e os adolescentes assumem comportamentos que colocam em risco a sua segurança e também a sua saúde, desde logo problemas associados às adições e aos consumos de drogas e álcool.
É nesta altura, que o trabalho da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens é encarado pelas famílias, não tanto como sendo uma ameaça da retirada dos filhos, mas mais como um aliado na resolução do conflito. “Chegam-nos com essa preocupação, mas depois de fazermos uma abordagem, em audição, às famílias e depois também às crianças e aos jovens, eles percebem que, efetivamente, nós estamos aqui para garantir, para proteger e não para retirar uma criança da sua família. Esta é a última fase do nosso trabalho”, atesta Henriqueta Fernandes. “O ano passado tivemos um volume processual de 734 processos, mas em termos de medidas de acolhimento residencial nós tivemos sete ou oito”, refere.
“É muito residual esta medida de retirar uma criança do seu ambiente natural e, até por causa das diretrizes, cada vez mais se evita. Assim, tentámos, cada vez mais, explorar a família alargada ao limite para conseguirmos garantir que as crianças ficam enquadradas no meio natural de vida e não no acolhimento residencial ou numa família de acolhimento” Henriqueta Fernandes
O apelo para alterar a visão negativa que se tem da CPCJ deve ser alargado à sociedade em geral porque, segundo a presidente desta entidade, mais vale confirmar que uma suspeita não passa disso, do que a suspeita ser verdade e continuar a ser negligenciada. “Nós, cidadãos comuns, temos todos uma responsabilidade civil e social. E se, à nossa volta, encontramos alguma criança em que pode haver uma dúvida de uma situação de risco na vida daquela criança, nós temos o dever e a obrigação de comunicar à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens”, reforça. A avaliação diagnóstica da CPCJ tratará de analisar “se vai ser verdade, validada ou não aquela sinalização”.
Há muitas formas de o fazerem com a garantia de sigilo, se este for solicitado: pode-se sinalizar por email, telefone, carta ou mesmo através de um bilhete. “Se a pessoa disser que quer o anonimato, nós respeitamos essa vontade e não damos a conhecer quem fez a comunicação na CPCJ”, assevera Henriqueta Fernandes.
Após o surto de Covid-19, houve um significativo aumento na quantidade de processos relacionados com a saúde mental, abuso psicológico e instabilidade emocional. Henriqueta Fernandes, contudo, não pode afirmar, cientificamente, se esses problemas estão diretamente ligados ao período de emergência de saúde pública. Além disso, entre 2022 e 2023, observou-se um aumento nos casos, que pode ser explicado tanto pelo aumento real de incidências de violência quanto pelo aumento no número de denúncias de casos já existentes.
As sinalizações estão, acredita Henriqueta Fernandes, a alterar-se também em termos de retrato social, deixando de estar associadas apenas a estratos socioeconómico baixos e com poucas competências em termos académicos, sendo cada vez mais, realizadas comunicações de crianças inseridas em famílias estruturadas, com capacidade económica e habilitações literárias.
A apontar, falta apenas, o número insuficiente de recursos humanos da CPCJ de Guimarães para o número de processos existentes. “Nós vivemos, digamos, de mendigar recursos às entidades. Há entidades que não cumprem com a sua representatividade e os seus tempos de afetação na CPCJ, nomeadamente a Segurança Social e a Saúde que também não cumpre”, lamenta. “O Município cumpre com as suas responsabilidades em termos de recursos humanos e o Ministério da Educação também cumpre”, completa.
Programa de atividades da Campanha Laço Azul
“Os números nacionais dizem-nos que uma em cada cinco crianças são vítimas de violência na infância. A violência não educa as crianças. A violência assusta as crianças e amedronta as crianças. E eu acho que depois de toda a experiência de vida das crianças, quando chegam à fase adulta, elas vão reproduzir aquilo que aprenderam”. Henriqueta Fernandes
Daí a pertinência da frase do slogan da campanha do mês de Abril deste ano, que é “Serei o que me deres... que seja AMOR”. “Porque o amor depois vai reproduzir amor e vai tornar as nossas crianças mais coesas e mais estáveis”, assegura a presidente da CPCJ.
E foi com muito amor que arrancou o programa de atividades, a 05 de abril, com a colocação do Laço Azul na Câmara Municipal de Guimarães, um momento que contou com a participação da Cercigui, do Infantário Nuno Simões e do Patronato de S. Sebastião. Neste evento realizaram-se ainda pinturas faciais e houve direito a animação musical. “Iniciámos simbolicamente a apresentação da campanha do Laço Azul, no Largo do Município, em que as crianças nos brindaram com uma dança toda ela à volta do amor na família e uma canção de Abril, com a adaptação de uma letra sobre a criança e os seus direitos. Foi um momento muito bonito”, avalia Henriqueta Fernandes.
A programação, que conta com a colaboração de várias entidades locais ligadas à infância e juventude, inclui para os dias 12,24 e 26 de abril a Operação "Stop aos Maus-Tratos", em que as escolas, a GNR e a PSP, vão distribuir fitas azuis e panfletos explicativos aos automobilistas.
O evento formal que fecha este Mês Internacional da Prevenção dos Maus-Tratos na Infância realiza-se no Agrupamento de Escolas Virgínia de Moura e conta com a presença do presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Domingos Bragança, e inclui a construção de um laço humano com alunos, professores e técnicos do agrupamento que junta várias cidades do país, num momento de partilha simultânea. “Também irão ser realizados alguns workshops no âmbito da atividade que foi lançada no dia 22 de novembro, o dia da Convenção dos Direitos da Criança, que é um painel de azulejos que vai ser inaugurado no dia da Semana da Criança e vai ser colocado numa parede junto da freguesia de Moreira de Cónegos”, adianta a presidente da CPCJ.
“Também temos mupis e outdoors espalhados pela cidade, com o cartaz e com o slogan no sentido de sensibilizar a população também dessa forma, a quem vai na sua viagem ou que está parado no trânsito”, termina Henriqueta Fernandes.