Foi sucinta e modesta na apresentação enquanto pessoa – “mulher, 52 anos, vimaranense, casada, mãe de duas filhas, professora” – mas a isto soma-se os estudos musicais desde os oito anos que culminaram, em 1996, na Licenciatura em Ciências Musicais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Henriqueta Fernandes é, ainda, presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Guimarães desde maio de 2023. É natural de Guimarães, cresceu com a música e tem sido graças à dedicação ao ensino que tem visto tantas outras crianças a crescerem, mas a responsabilidade pela promoção e proteção dos direitos dos mais novos aumentou ainda mais.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - O que a move?
Henriqueta Fernandes (HF) - Sem dúvida que o que me move são os valores morais. Transmitir valores e formar crianças e jovens, os adultos do futuro. Se possível, deixar a minha “marca” como uma aprendizagem positiva na passagem pela vida de muitos que se cruzaram comigo. Digo muitas vezes aos meus alunos, podes não adquirir a competência x, mas a escola transmite-te valores e prepara-te para a vida.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Em criança, já era uma pessoa virada para “a promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens”? Como era ser criança, quando era criança?
HF - Refletindo um bocadinho acho que já tinha um certo instinto protetor, protegendo os mais novos e mais frágeis que me rodeavam. Fui criança no século passado, sem tecnologias, em que ainda se brincava na rua. Já no pré-escolar, as avós entregavam-nos na paragem do autocarro, íamos sozinhos, tínhamos à espera o saudoso Padre Ribeiro que nos levava ao Centro Paroquial de Azurém. Os pais não levavam as crianças à escola, como nos dias de hoje. A nossa autonomia era trabalhada desde muito pequenos. Já na primária (atualmente 1.º ciclo) não se passava o dia na escola… Eu só tinha aulas no turno da manhã. As tardes eram longas e davam para tudo. Ia, sozinha, à padaria, à mercearia, ao sapateiro e a todos os serviços que existiam em redor da casa dos meus avós, fazer os recados. Toda a gente se conhecia.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Quando é que a sua dedicação a esta área se começou a manifestar?
HF - Durante toda a minha carreira pedagógica, com as responsabilidades inerentes a um professor e diretor de turma. Depois, naturalmente, de forma muito mais intensa quando integrei a CPCJ de Guimarães.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Como foi o seu percurso profissional até chegar à CPCJ?
HF - Licenciada em Ciências Musicais, professora há 28 anos, em 2017 ingressei na CPCJ como apoio técnico, em setembro de 2022 passei a Representante do Ministério da Educação e a 31 de Maio de 2023 fui eleita Presidente da CPCJ de Guimarães.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Embora pareça já consolidada a atividade, nunca é demais relembrar: Qual é a vocação da CPCJ?
HF - A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) como instituição deve promover os direitos da criança e do jovem e prevenir ou pôr termo a situações suscetíveis de afetar a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral da mesma.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) – Como se organiza a CPCJ e que atividades desenvolve?
HF - A CPCJ tem dois grupos de trabalho: a equipa multidisciplinar da CPCJ que trabalha em permanência designada por Comissão Restrita, a quem compete intervir em situações em que uma criança ou jovem está em perigo. A Comissão Alargada que tem entre as suas funções desenvolver ações de promoção dos direitos e de prevenção das situações de perigo.
Mais que atividades destaco a celebração do mês de novembro - Convenção dos Direitos das Crianças e o mês de abril - Campanha de prevenção dos maus tratos na infância. Estas são temáticas sempre presentes na planificação de todas as actividades. Nos últimos anos convidamos um Agrupamento Escolar para assumir a dinamização das acções e trabalhar estas temáticas com a comunidade educativa. Todos nos têm surpreendido com a criatividade dos alunos.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - É possível avaliar o impacto da existência desta estrutura para o território vimaranense?
HF - O Trabalho da CPCJ é fruto e resultado do trabalho de uma equipa coesa e dedicada à resolução das situações que nos são comunicadas. Embora os recursos humanos sejam escassos em número de acordo com o volume processual, a equipa faz um trabalho de excelência garantindo o bem-estar das crianças e jovens do Concelho. Em Guimarães existe uma rede de apoio que permite chegar às crianças, jovens e famílias. É com orgulho e com sentido de dever cumprido que observamos a mudança na vida de uma criança ou a construção de um projeto de vida de um jovem.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Que balanço fazem do impacto da vossa atividade, em particular, na vida das crianças?
HF - Na grande maioria dos casos, um impacto altamente positivo, muitas vezes até verdadeiramente decisivo para as vidas dessas mesmas crianças e jovens. E o feedback que vamos tendo ocasionalmente, tanto dos próprios como dos pais, é sem dúvida alguma a maior recompensa que podemos receber pelo trabalho que realizamos.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Quais são as mais recentes novidades que queiram divulgar?
HF - Novidade recente, com quase um ano: desde que ingressou na equipa a outra colega professora, temos na receção das nossas instalações uma “mini” biblioteca em que todas as crianças e jovens podem levar como oferta um livro. Aceitamos livros, estes estão sempre em movimento.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Na sua opinião, qual é a importância desta do programa da UNICEF Cidades Amigas das Crianças?
HF - A UNICEF pretende sensibilizar e envolver o mais possível os governantes locais para políticas focadas nas crianças e na infância no sentido de lhes dar qualidade de vida e garantir os seus direitos.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - E do empenho de Guimarães com o compromisso de ser uma Cidade Amiga das Crianças?
HF - Guimarães tem como prática ouvir e dar voz às crianças. Há de facto um envolvimento empenhado das políticas locais centradas na criança.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Qual é a importância da aposta num território amigo das crianças?
HF - Uma cidade amiga das crianças prepara o futuro do território e forma cidadãos mais interventivos e atentos às suas necessidades.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Quais são as expetativas da CPCJ em relação ao futuro das crianças do município e do país? Que preocupações a inquietam?
HF - Numa situação ideal – utópica, mesmo – seria estes organismos poderem vir a ser extintos por não serem mais necessários… Enquanto isso não acontecer, teremos de tudo fazer para que nenhuma criança deste concelho esteja em perigo ou privada dos seus direitos mais essenciais. Essa é a nossa missão. As preocupações que mais nos inquietam é ver o número de casos sempre a aumentar, os desequilíbrios na sociedade a acentuarem-se consideravelmente, com consequências nefastas e imediatas no seio das famílias e no número de famílias disfuncionais identificadas, com reflexos inequívocos nos maus tratos e carências de toda a espécie na vida das nossas crianças.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - A nível local, como se alinham organizações como a CPCJ com a implementação no terreno das medidas necessárias?
HF - A CPCJ, tal como a Unicef e o programa Cidade Amiga das Crianças, pretende assegurar as condições para a intervenção local focada nos direitos das crianças. A audição da criança é uma prática desta CPCJ.
Fotografia de Diogo Meira