Às portas do Dia Universal dos Direitos da Criança, que se assinala a 20 novembro, a UNICEF Portugal promoveu um encontro com decisores políticos para debater “A importância das políticas locais na concretização dos direitos universais”.
A diretora de Políticas para a Infância e Juventude da UNICEF Portugal, Francisca Magano, ficou responsável pela moderação do primeiro painel de oradores em que o debate gerado realizou-se em torno do mote: “Desenvolvimento e ambiente sustentável, saúde e bem-estar para todas as crianças – que tendências e desafios?”.
O preâmbulo à conversa foi realizado a partir do relatório da UNICEF lançado no início do ano, e que faz referência ao facto dos acontecimentos serem cada vez mais interdependentes e que, por esse motivo, questiona, se a prioridade deve ser dada a soluções holísticas para melhorar a vida das crianças. Denominou este fenómeno de policrise, considerando que os fenómenos acontecem ao mesmo tempo, estão interligados e se potenciam uns aos outros, fazendo com que “as políticas da criança passem para a base das prioridades dos governos”. “E não é isso que queremos”, realçou.
Antes de passar a palavra à investigadora e professora da Faculdade das Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Ana Santos Pinto, Francisca Magano apontou um potencial caminho apoiado pela evidência científica para melhores políticas públicas e que o painel de oradores que moderava tão bem representava: “Se as sociedades têm imagens positivas do futuro tendem a ser mais criativas no presente”.
Ana Santos Pinto que acaba de ser designada para a presidência do grupo de peritos da Aliança Atlântica sobre o flanco Sul da Europa, a região de países europeu que pode representar ameaças à segurança provenientes do Norte da África e do Oriente Médio, trabalha sobre o conflito israelo-palestiniano há mais de 20 anos. Foi incontornável, por esse motivo, no seguimento da referência de Domingos Bragança ao conflito no discurso de abertura, considerar a menção à guerra entre Israel e o Hamas sublinhando que aquilo que hoje se vê “não é de hoje”. “Há crianças que nascem e crescem, vivem ou melhor sobrevivem e morrem em campos de refugiados sem conhecer nenhuma outra realidade. Aquele é o mundo”, começou por dizer. “Aquelas crianças têm um olhar de esperança que para nós é o significado de um olhar vazio, porque eu sei que elas não vão sair dali”, disse em alusão ao que testemunhou de todas as vezes que esteve naquela região. “Aquilo que estamos a ver em Gaza é assim há muito tempo. A noção de direitos não é uma realidade concebível. Aquelas crianças não sabem que têm direitos, não sabem que direitos têm. E quando falo de direitos, falo dos direitos mais básicos: à água, à alimentação, à esperança e ao sonho”, terminou.
Esta introdução serviu para chamar a atenção para a importância do enquadramento prévio da sociedade de acolhimento sobre o contexto dos menores não acompanhados que, cada vez mais, se recebem nos fluxos migratórios. Alertou para a importância da dimensão da saúde mental, para a existência de estruturas de acolhimento com as competências necessárias para fazer o acompanhamento às crianças migrantes, a monitorização dos resultados das políticas públicas implementadas e para a importância de modelos de governança participados. “Quando estamos cada vez mais fechados na nossa bolha, só ouvimos quem pensa como nós, só assumimos a informação de quem tem a mesma visão que nós”, sublinha. “Esta representação do coletivo, se não estiver no nível de educação e de instrução e se não desconstruir à partida estas ideias, não há nenhuma política pública que funcione, não há nenhum município que tenha a capacidade de ser amigo das crianças e dos direitos das crianças porque não há uma consciencialização de que isso são os direitos individuais mas que se defendem ao nível do coletivo. Portanto, a política pública começa em cada um dos cidadãos e em cada um dos atos de cidadania”, concluiu.
Margarida Gaspar de Matos: “Não vale a pena entrarmos numa paralisia pragmática porque não conseguimos fazer tudo. Vamos dando pequenos passos, mas na direção certa.”
A psicóloga clínica e da saúde, Margarida Gaspar de Matos, é também professora catedrática da Universidade de Lisboa na Faculdade de Motricidade Humana e do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa começa logo por considerar que o maior problema associado à inclusão das comunidades migrantes está relacionada com a pobreza. “A pobreza que nos foca na escassez em vez de nos focar no florescimento”, afirma Margarida Gaspar de Matos considerando que o financiamento deve ser atribuído ao programas de apoio e não diretamente a quem necessita de apoio, considerando que “o assistencialismo é uma desdignificação das pessoas”. “Temos que criar condições para as pessoas fazerem a sua trajetória”, concluiu.
Usou como exemplo o projeto “Learn to Fly” que pretende promover uma maior participação social e o diálogo entre gerações e fomentar as crianças “a participar ativamente” apresentando propostas para melhorar a vida das respetivas famílias, da escola, rua, cidade.
Enumerou que nestes últimos anos têm sido vários os contextos a afetar a saúde mental das crianças e dos jovens, nomeadamente as resseções económicas, as alterações climáticas e a pandemia. “E quando se pensava que as coisas iam melhorar, surge uma guerra, duas guerras. Estes miúdos, façam as contas, nasceram assim, ainda não tiveram uma acalmia nas vidas deles”, analisa Margarida Gaspar de Matos. “A minha filha diz muitas vezes: ‘Desde que eu nasci, só há crises. O problema é meu?”, completa Ana Santos Pinto
A psicóloga clínica e da saúde finalizou a respetiva comunicação sublinhando que “a saúde mental é um direito universal das crianças”. “É importante o que conseguimos fazer do ponto de vista histórico, do país, dos municípios”, começou por introduzir Margarida Gaspar de Matos para, logo a seguir citar o professor Carlos Caldeira: ‘Nós não podemos mudar o mundo todos os dias, mas podemos dar um pequeno contributo na nossa rua, no nosso município e não vale a pena entrarmos numa paralisia pragmática porque não conseguimos fazer tudo, vamos dando pequenos passos, mas na direção certa”
João Joanaz de Melo: “O consumismo como paradigma da felicidade é uma barbaridade que tem consequência, como por exemplo, o nosso desprezo pelos outros que não têm acesso a esse consumismo”
O último orador, investigador e professor na Universidade Nova de Lisboa e dirigente do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, João Joanaz de Melo, abordou o papel dos municípios na ação climática, de que forma as autarquias podem liderar este processo, mas sublinhando que “todas as escalas de trabalho são essenciais”.
Para o melhor desenvolvimento e ambiente sustentável, saúde e bem-estar para todas as crianças apontou um caminho de ações concretas que, de certa forma, ajudam a restabelecer o amor pelo meio ambiente através da educação: “Dar às nossas crianças e jovens o conhecimento pela natureza, o amor pela natureza e o desconforto. “Temos que reaprender a viver com o desconforto” e “sair do sofá”, disse referindo-se ao facto de que “só se defende o que se ama, só se ama o que se conhece”.
Esta aposta na educação na natureza e para a cidadania implica uma mudança no estilo de vida: “O consumismo como paradigma da felicidade é uma barbaridade que tem consequência, como por exemplo, o nosso desprezo pelos outros que não têm acesso a esse consumismo”, alertou. “O consumo de recursos é um problema. Temos que os habituar a ser felizes de uma forma mais parcimoniosa”, concluiu o investigador.