O tempo passado online por crianças e jovens quase duplicou nos últimos 10 anos e o acesso às tecnologias é feito todos os dias e começa cada vez mais cedo. No dia 07 de fevereiro celebra-se a 20.ª edição do Dia da Internet Mais Segura e a forma como os internautas mais pequenos navegam no ciberespaço começa a ser uma das maiores preocupações apontadas nesta ocasião.
O Rodrigo, a Silvana, o Henrique, o Gabriel, o Gonçalo e o João Luís nasceram numa era em que o mundo virtual começou a ocupar cada vez mais o espaço e o tempo do mundo real. Aliás, a linha que separa estes dois universos é cada vez mais ténue e mesmo as pessoas que cresceram sem internet já parecem não conseguir viver sem ela.
“É fundamental que o que [as crianças] consumam na internet seja apenas para divertimento, estimulação e que promova o desenvolvimento”. Cecília Barbosa
O Rodrigo tem seis anos e vê, essencialmente, Youtube. Também esta plataforma de partilha é a que Henrique, de oito anos, mais usa para ver vídeos de futebol. Já a Silvana, aos sete anos, utiliza a internet “para jogos on-line, treinar matemática no Hypatiamat, ver desenhos animados e pesquisar dúvidas que lhe surgem”.
Cecília Barbosa é tia do Gonçalo de sete anos e tem um afilhado, o Gabriel com seis anos. Enquanto madrinha e tia, vai vendo que “o consumo típico da internet deles é unicamente para se divertirem, vendo vídeos e jogos que sejam do agrado deles”. Agora que aprendeu a ler e a escrever, o Gonçalo começa a ficar ainda mais ‘autónomo’ a utilizar a internet. “Ele tem ganho o gosto por ir pesquisando coisas mais direcionadas e menos aleatórias nos vídeos, figuras de interesse, como jogadores de futebol, por exemplo”, descreve a tia. Enquanto psicóloga, analisando de um ponto de vista mais profissional, Cecília Barbosa considera que “nestas idades uma das maiores preocupações é que eles não acedam a conteúdos menos próprios para a idade, que os amedrontem, que inibam a normal exploração do meio e que, em casos mais graves, os possam colocar em perigo”.
“Tenho cuidado em não ver vídeos violentos e que lhe metem medo e limito o tempo de utilização do computador”, acrescenta a mãe da Silvana, Sónia Rocha. Janina Ribeiro receia que o ecrã se torne um vício para o Rodrigo e que o faça distanciar-se da realidade por “não entender que muito do que se vê é falso”, dando o exemplo dos desafios do TikTok em que morrem crianças ao fazê-los. É por isso que tem uma conta própria para o filho e enquanto ele assiste Youtube costuma estar por perto a vai vendo o que ele está a ver. “Os desafios que temos são muitos, mas o maior é o estar sempre de ouvido e olho atento, no sentido de percebermos o que ele está a visualizar, principalmente agora que o Youtube, também tem vídeos rápidos (Shorts) e de fácil acesso”, concorda Maria Borges, a mãe do Henrique que só tem acede à internet na presença dos pais ou dos avós e só pode usar a televisão, SmartTV, ou o telemóvel de algum dos adultos, quando estes aparelhos estão disponíveis.
“E ainda para mais, sabendo nós como o algoritmo funciona, isso torna-se num grande desafio para os pais. Porque, nunca sabemos o que vem a seguir”, atira Maria Borges que, ainda assim não tem nada de controlo parental instalado porque o Henrique ainda não possui nenhum dispositivo só dele. Cecília Barbosa já tentou orientar os pais do afilhado e do sobrinho para um controlo parental positivo, monitorizando a utilização que os filhos fazem com aplicações específicas, como o Family Link, para que o controlo seja rigoroso e para que pudessem ver o que consomem na internet. “O que nos preocupa mais, nesta fase, são alguns youtubers, que usam expressões malcriadas e que os induzem em informação errada”, aponta Maria Borges.
Domingos Oliveira diz que “como em tudo na vida não há risco zero”, ao comentar o uso que o João Luís, de 15 anos, faz da internet. Mas tentou tomar sempre algumas medidas para minimizar os riscos inerentes à atividade online. Usou programas para restringir e controlar o acesso a sítios da internet não apropriados à idade dele e tentou sempre restringir o número de horas passadas em frente ao computador. O truque, considera, é substituir esse tempo por atividades criativas lúdicas.
O papel de tia e madrinha na vida de Cecília Barbosa inclui o diálogo constante, com o sobrinho e afilhado, acerca do funcionamento e dos perigos da internet. “É importante informarmos as nossas crianças, mas sem as amedrontar. Descermos ao seu nível cognitivo e psicoafetivo, colocando-nos no lugar delas e fazendo o exercício de perceber como nos sentiríamos a receber este tipo de informação. Sem as chocar, mas sem lhes esconder o que pode vir do outro lado do ecrã”, explica. Também Maria Borges conversa com o Henrique sobre a utilização da internet e “sobre o ‘acreditar’ ou ‘validar’ a informação que recebe”. “Tentamos sempre que tenha nos pais, a confiança de que pode explorar qualquer cenário, que ele não esteja a perceber”, sublinha. Sónia Rocha já explicou à Silvana que “não pode conversar com estranhos na net” e que deve falar com os colegas pessoalmente. “Ela quer estar sempre nos jogos mas explico-lhe que lhe faz mal e que não se desenvolve, aconselho-lhe a ler um livro, a brincar ou a ver desenhos na televisão”, exemplifica.
Janina Ribeiro não se aventurou muito com explicações ao Rodrigo devido à idade. “Mas tento explicar que nem tudo o que se vê é real e que a maioria dos vídeos que vê servem apenas para divertir as pessoas”, destaca.
Domingos Oliveira acha que o melhor é participarem nas diferentes atividades que eles têm online para ganhar a confiança deles e melhorar a relação que têm aproveitando estes momentos para lhes dar alguns conselhos para lidarem com o mundo online. “Nunca dar informações pessoais, morada, nome, telefone, palavras-passe porque nunca sabemos quem está do outro lado”, enumera.
Na idade do João Luís já faz sentido verem juntos filmes e documentários sobre os perigos que a internet esconde e Domingos Oliveira também considera que se deve evitar o isolamento dos filhos nos quartos fechados e separados do resto da família. “Devemos tentar encontrar um lugar comum na casa de forma a que não fiquem tão expostos aos perigos da internet”, chama a atenção.
“É considerada uma relação saudável e produtiva com as tecnologias aquela onde há um equilíbrio positivo do tempo em que as usamos, compatível com uma vida, socialmente ativa e com o cumprimento das nossas obrigações”. Cecília Barbosa
Cecília Barbosa, além da utilização imprópria de conteúdos por parte das crianças e jovens e do facto da internet poder constituir um local perigoso, considera que é preciso dar atenção às questões relacionadas com a dependência de ecrãs. “O principal sinal de alerta, principalmente no que respeita às nossas crianças, é como elas reagem quando não as deixamos estar a utilizar a internet: se observamos marcada ansiedade, se há dificuldade na autorrregulação emocional e comportamental quando a internet lhes é retirada, se há recusa em ir a determinados locais porque prefere ficar em casa no tablet ou na playstation”, enumera a psicóloga.
O maior desafio que Janina Ribeiro enfrenta é tentar que as refeições se realizem sem tecnologias: mas assume que “é uma luta diária”, porque o Rodrigo “desde muito novo se habituou a comer enquanto via Youtube”. “Ele tem alguns transtornos alimentares e a tecnologia ajudou muito nos primeiros anos. Agora estamos a tentar remover a tecnologia durante o horário das refeições”, admite. “Às refeições é sagrado, não há telemóvel na mesa”, atira Maria Borges. “Também tentamos gerir o restante tempo de utilização. Mas as negociações, às vezes não são fáceis”, assume a mãe do Henrique.
Guimarães, Cidade Amiga das Crianças (GCAC) - Qual é o impacto dos jovens crescerem com tecnologias?
Cecília Barbosa (CB) - Significativamente positivo. A internet e as tecnologias são, na minha opinião, muito positivas e estimulantes na vida deles, mas quando utilizadas da forma correta e não excessiva.
GCAC - Que ameaças existem online?
CB - A mais assustadora de todas é, na minha opinião, tudo que se relaciona com predadores sexuais e em tudo o que as nossas crianças podem sair lesadas se caírem neste tipo de armadilhas. Mais mascarada, mas muito presente, preocupa-me as adições que alguns dos conteúdos como jogos, implicitamente, causam neles.
GCAC - Considera que falta literacia digital aos pais para lidar com as tecnologias e que representam?
CB - Completamente! Vivemos numa era em que o analfabetismo é digital. A revolução tecnológica veio facilitar em muito a nossa vida e dos nossos jovens mas é fundamental que também nós estejamos a par do que se vai alterando para podermos orientar as nossas crianças.
GCAC - Que dicas sugere para fazer uma utilização segura da internet?
CB - Em primeiro lugar, a consciencialização: do que é certo e errado e de que nos podem contar tudo, mesmo que tenham feito algo errado. O controlo parental com as aplicações que possamos monitorar o que as nossas crianças consomem, o Family Link.
GCAC - Em termos legais, estamos protegidos?
CB - Teoricamente considero que sim. Na prática o que vejo que muitas vezes isso não acontece.
Estratégia europeia para uma Internet melhor para as crianças (BIK+) | versão crianças AQUI